terça-feira, 17 de junho de 2008

A CASA QUE PINGAVA SANGUE

Por Marcos T. R. Almeida

"Na verdade, não tenho horror ao perigo, exceto no seu efeito positivo, o terror." - Edgar Allan Poe

Atenção! O texto a seguir contém detalhes sobre o filme, inclusive revelando o final dos episódios.


Quem de nós que, pelo menos uma vez na vida nunca sonhou em habitar uma casa bem aconchegante, afastada do "turbilhão apressado da humanidade", distante da turba enfadonha e mesquinha da sociedade?

Uma bela casa muito bem ornamentada repleta de mobiliário antigo, peças de artes, lareira, biblioteca contendo os mais diversos livros com as obras dos nossos autores prediletos... Ah! Como seria bom sentar-se no conforto de uma poltrona "Luís XV", aquecido pelo fogo de uma lareira e passar uma tarde de inverno, lendo Heine, Poe, Milton, Azevedo, Nietzsche, John Keats, e tantos outros! Afinal, somos mais afeiçoados com os mortos do que com os vivos. Estes mortos pelo menos deixaram como legado à humanidade o seu pensamento, e como disse um dia Baudelaire, o pai dos poetas malditos: "O que é criado pelo espírito, é mais vivo do que a matéria."

Quanto aos vivos, nossos contemporâneos para variar, precisamos fugir deles para bem longe de suas maldades e calúnias, pois a todo instante que nos atracamos com eles, somos acusados de algum crime que não cometemos!

Ah! Uma bela casa de campo seria o refúgio ideal contra esses ignóbeis. Assim isolado, teríamos mais tempo para os nossos mortos, assim e somente desta forma poderíamos aprofundar na sabedoria dos antigos e mergulhar num universo concebido por estes gênios, e de lá do nosso refúgio anti-social, se fosse preciso, praguejaríamos contra toda a mediocridade da sociedade, saboreando uma fina taça com vinho do Porto, safra de 1930!

Nossa casa tem muito de nós, ela reflete nossa personalidade, nossos sonhos e aspirações, e isto porque não moramos em uma casa ideal ao nosso temperamento, pois se fosse o caso, tenho certeza que habitaríamos castelos medievais que são os que mais se aproximam com o nosso temperamento.

Para se escrever uma boa obra, um escritor precisa de quietude, precisa por força isolar-se da realidade que o cerca para de fato mergulhar em seu interior, e de lá de seu subconsciente transcrever para o papel o caráter verdadeiro de seus personagens.

Quando assisti pela primeira vez o filme "A Casa que Pingava Sangue" (1970), comecei a refletir melhor estas questões e o meu gosto pela propriedade apurou-se de maneira muito significativa, imaginando qual seria meu destino se eu fosse o próximo inquilino da casa, pois a mansão reflete sempre a personalidade do novo morador.

Então mergulhei no pesadelo, vi o meu ser habitando aqueles aposentos confortáveis, vi a imensa sala de estar com belas poltronas que dariam a mim o conforto necessário, mas vi também minha ruína...

Sem piedade, o meu fim seria idêntico ao de todos aqueles antigos inquilinos. Não sei o caso dos senhores, mas acredito que não fugiriam da regra, visto que parecem serem afeiçoados com o terror e possuírem identidade forte com o sobrenatural!

A casa é um espetáculo deslumbrante, fica localizada em um local afastado da cidade, idêntica a do clássico "Os inocentes" (1961). Ela é rodeada por uma floresta repleta de árvores, entre elas o "loureiro sagrado", usada pela Inquisição para queimar as feiticeiras.

Mas antes mesmo de entrarmos no assunto sobre feitiçaria, vamos primeiro conhecer todos os detalhes que caracterizam a casa em si, e analisarmos a primeira das quatro histórias de horror que compõe o filme.
A exemplo do clima de terror, a própria trilha sonora já assusta em um ritmo psicótico, em notas de piano marteladas onde o efeito acústico ora se prende em lentidão de suspense e ora dispara como se fosse um golpe de punhal nas costas!
A melodia prende o espectador e faz o mesmo mergulhar dentro das cenas do filme, mas o efeito sinistro da música acaba tocando no nosso subconsciente transportando o clima de terror do filme para nossa própria casa...

Confesso que até hoje ainda não assisti outro filme de terror onde a trilha sonora pudesse envolver-me de forma tão perturbante em nosso próprio caráter com as cenas do horror.

Envolto nesta horripilante trilha sonora o filme "A Casa que Pingava Sangue" nos apresenta pequenos detalhes que merecem ser reforçados neste escrito como as imagens em formas de sombras escuras, estátuas que parecem observar os transeuntes, uma cena onde se vê um crânio sobre o livro "Drácula", ou breves sequências onde se observam obras de Edgar Allan Poe. Ou ainda uma altiva águia de bronze que parece contrastar com o rosto de um anjo esculpido nos traços dos desenhos de Gustavo Doré, completando uma estranha decoração repleta de objetos que parecem ter vida própria, enchendo o interior da casa de uma sinistra atmosfera envolta nos mais recônditos mistérios do além.

Os primeiros inquilinos são um simpático casal que procura a tranquilidade do campo. O marido é um escritor dedicado de histórias de terror, especialista em crimes e mortes violentas, que escreve como dizia Nietzsche, "com sangue, pois sabe que o sangue é espírito". Seu personagem principal chama-se Dominique, um estrangulador louco e psicopata que fugiu do hospício. Ele não só cria o personagem para sua história, mas o desenha num esboço, a imagem de seu "sócio no crime" que vai ajudar a faturar nas vendas da obra.

O filme começa a transportar o espectador para o inconsciente do personagem central que no caso é o marido escritor, que também possui seu personagem, o estrangulador Dominique!

Sinistra é a aparição de Dominique, mais imaginária que real, que materializa-se em passos no assoalho, pequenos ruídos, gargalhadas e por fim, surge do oculto para roubar o desenho dele mesmo, guardado na gaveta da escrivaninha do escritor, que atormentado fuma vários cigarros e toma bons tragos de whisky scothland, para acalmar os ânimos e o próprio medo de seu personagem, que parece ter saído de dentro dos seus escritos.

Sua esposa bela, mas muito falsa por sinal, no fundo não passa de uma mulher canalha que tem um amante e com ele trama o assassinato do psiquiatra que está fazendo o tratamento das perturbações de seu marido, no caso, as aparições de Dominique.

O doutor, em seu gabinete de consultas, afirma ao seu paciente que quase sempre os personagens que criamos são uma continuidade inconsciente da nossa própria personalidade, e que na vida real estas coisas não existem... De repente surge Dominique e estrangula o doutor e em seguida seu paciente, o autor de Dominique...

Na casa - a casa que pingava sangue como diz o próprio título do filme - está a esposa traidora a olhar-se no espelho e logo surge seu amante, retirando a máscara de Dominique forjada por eles para provar a insanidade do marido.

Mas para o espanto desta mulher, seu marido também havia sido estrangulado, e Richard, seu amante, parecia possesso por algo diabólico. "Richard? Meu nome é Dominique!", ele exclama e mata estrangulada também a mulher que havia tramado os crimes...

Só este pequeno curta metragem já fez valer o título do filme, que prossegue agora com o segundo episódio, estrelando o nobre e veterano do horror, o já falecido Peter Cushing, no papel principal.

O personagem é um aposentado solitário que aprecia quietude e sossego. Ele muda-se para a casa e costuma ocupar muito bem o seu tempo, afinal é um excelente jardineiro pois adora cuidar de plantas. Lê muito, parece um autodidata em filosofia e literatura, enfim, um homem culto e letrado. Como se não bastasse as duas ótimas qualidades, ele ainda ouve música! Uma obra de Franz Schubert faz-se ouvir em sua vitrola, "Der tod und das madchen" ou "O túmulo da donzela", obra composta para quarteto de cordas, onde a harmonia toca na alma do espectador, transportando para um cenário idílico e romântico, sobre forma de arrebatamento.

"Eu leio, cuido da jardinagem e ouço música", realmente quem é nobre sabe aproveitar bem seu tempo. Sigamos o seu exemplo para um dia quem sabe, alcançar sua refinada nobreza!

Solitário, o personagem perambula pelo pequeno centro da cidadezinha mais próxima até que depara-se com um museu de cera dos horrores... Ali encontra lúgubres e horrendas figuras de cera e no meio do pesadelo depara-se com Salomé, a linda, a bela Salomé com uma bandeja na mão onde a cabeça de João Batista está exposta, já decepada do corpo.

Salomé foi um tema bastante explorado na literatura. Temos a narração bíblica para quem não conhece a história, e temos também a imoral e irreverente peça de teatro de Oscar Wilde, onde logo no primeiro dia de estréia foi proibida em Londres e por toda parte onde ia ser apresentada, devido talvez ao seu caráter imoral e mórbido, onde a princesa Salomé beija os lábios de João Batista já decapitado, fazendo uma forte alusão à necrofilia, além do erotismo sensual da personagem central que é Salomé.

O compositor Strauss, também inspirado no mesmo tema, compôs "Salomé", uma ópera em dois atos inspirada na peça de Oscar Wilde, o excêntrico dandy irlandês.

"Ela é linda, não é verdade? A minha Salomé...", exclama o dono do museu ao visitante, que sai dali perturbado com aquela boneca de cera. Mais tarde, um amigo visita-o na casa, ambos parecem terem no passado um amor em comum. Esse amigo depois entra também no museu e fica hipnotizado por Salomé.

O desfecho é simples. Primeiro este novo personagem, o amigo visitante, é assassinado no museu, tendo sua cabeça decepada e posta na bandeja de Salomé. Depois, é o próprio inquilino da casa que pingava sangue quem é a vítima. Ele luta com o dono do museu e encontra a morte, e sua cabeça também passa a fazer parte do sinistro acervo do museu de cera dos horrores!

No terceiro curta metragem, Christopher Lee entra em cena no papel de um pai severo e rude, que tem uma filhinha orfã de sua mãe que provavelmente era uma feiticeira. Aqui, novamente o terror é explícito sobre o cenário da enigmática casa onde os aposentos parecem ser testemunhas dos estranhos acontecimentos ali ocorridos...

A filhinha do novo inquilino, que parece ser uma garotinha tímida e reprimida, tem para sua educação a companhia de uma linda governanta que parece ensinar a garota a superar seus traumas, em especial o medo das chamas do fogo. A garotinha ganha então alguns presentes e em especial uma boneca. De repente o pai, o rude e severo pai, rouba das mãos da menina a boneca e atira-a no fogo da lareira. A boneca derrete sobre as chamas, e o pai teme que sua filha siga a mesma inspiração da falecida mãe, que era uma bruxa diabólica... A garota magoada chora, e sua governanta não entende a estranha atitude do pai.
Chove forte, trovões estralam lá fora, relâmpagos reluzentes clareiam a noite, falta luz elétrica, é hora de acender velas, mas o pai constatou que faltavam algumas delas, e a garotinha, que mais parece um anjinho, faz um boneco de cera de acordo com as antigas fórmulas de feitiçaria, a saber:


Malefício da figura de cera

"Pede um pedaço de cera virgem, amolece-o em água quente, modela então com ele uma figura, pensando intensamente na pessoa que queres enfeitiçar. Enquanto fazes isto, pronuncia com veemência estas palavras; "fulano de tal, em tua semelhança faço esta esfinge para que a ela fiques amarrado, de tal maneira que o teu corpo seja o seu corpo e o seu seja o lugar de todas as sensações". Se tens cabelos, algum dente ou amparas de unhas provenientes da pessoa que estás enfeitiçando, põe na figura, e se possui roupas, faz um pequeno vestuário que lembre a vítima. Disposta assim a figura, uma noite, à hora de Saturno, atravessa-a em todos os sentidos com agulhas ou espinhos, cobre-a de injúrias e maldições em nome do demônio Guland imaginando firmemente que tens à tua frente a mesma pessoa de corpo e alma; joga por fim o boneco de cera ao fogo... Se tudo isto fizeres como digo, pondo toda a tua fé e força, não duvides de que assim como a cera se derreterá e consumirá, assim também padecerá a pessoa, sofrendo dores agudas até a morte."

Seguindo os ensinamentos, a garota vinga-se do pai carrasco torturando-o com agulhas espetadas no boneco de cera e por fim ela também joga o boneco ao fogo, como o pai havia feito com sua boneca de brinquedo recebida da governanta. O pai morre de uma maneira horrível...

No quarto e último episódio, aparece um canastrão de filmes de horror, um galã da década de 1970 que aluga a casa. Ele, depois de muita briga no estúdio de cinema, acaba comprando em um antiquário uma capa de vampiro legítima. Ao vestir a capa para a atuação nos papéis de vampiro, ele transforma-se num vampiro de verdade e seu túmulo passa a ser o porão da própria casa.

Mais tarde, o corretor de imóveis dá as chaves da casa a um invocado investigador de polícia que está exatamente tentando solucionar o enigmático desaparecimento de um astro do cinema. O maluco dirige-se então à casa numa noite nada convidativa para uma visita. Ao entrar na macabra casa, ele é surpreendido pelo vampiro e por sua companheira, também atriz de cinema, que atuava em seus filmes e era uma vampira de verdade também.

Assim acaba o filme, em uma cena bastante lúgubre de vampirismo...

Novamente a casa está para ser alugada e eu cismei de novo no meu destino se eu fosse o próximo inquilino....


Marcos T. R. Almeida


A CASA QUE PINGAVA SANGUE (The House That Dripped Blood, EUA, 1970)
Direção: Peter Duffell
Roteiro: Robert Bloch; Russ Jones
Produção: Max Rosenberg; Milton Subotsky
Produção Executiva: Gordon Westcourt; Paul Ellisworth
Fotografia: Ray Parslow
Música: Michael Dress
Edição: Peter Tanner
Direção de Arte: Tony Curtis
Maquiagem: Harry Frampton; Joyce James
Elenco: Denholm Elliott (Charles Hillyer), Peter Cushing (Philip Grayson), Christopher Lee (John Reid), Ingrid Pitt (Carla Lynde); John Bennett (Det. Insp. Holloway); John Bryans (A.J. Stoker); John Malcolm (Sgt. Martin); Joanna Dunham (Alice Hillyer); Tom Adams (Richard/Dominic); Robert Lang (Dr. Andrews); Joss Ackland (Neville Rogers); Wolfe Morris; Chloe Franks (Jane Reid); Jon Pertwee (Paul Henderson)

A FESTA DO MONSTRO MALUCO

Por Marcos T. R. Almeida

"Ah, ah, ah, ah, e disse o corvo, nunca, nunca mais..." - Edgar Allan Poe

"Ah, eu criei os meios de destruir a matéria e eles todos precisam saber que eu, o barão Frankenstein, mestre do segredo da criação, dominei os segredos da destruição, os convites precisam ser enviados imediatamente. E que festa ótima teremos..."
Assim começa o clássico filme de bonecos, esterelando como papéis principais: Drácula, O Lobisomem, A Múmia, O Corcunda de Notre Dame, O Monstro de Frankenstein, A Coisa, O Homem Invisível, A Criatura, A Noiva de Frankenstein, Dr. Jekyll e Mr. Hyde, Boris Karloff, Francesca e Felix, sobrinho do Dr. Frankenstein.
Imagine todos estes monstros em uma festa, ou melhor, uma convenção de monstros, todos reunidos, cada um com suas peculiaridades especiais... sim, foi assim A Festa do Monstro Maluco (Mad Monster Party, 1967), filme raro, conhecido apenas pelos verdadeiros e colecionadores fãs do horror.
O Dr. Frankenstein, que é interpretado pelo boneco de Boris Karloff, abre um armário repleto de morcegos, amarra os convites nas garras de cada um deles e solta-os noite adentro para que voem levando os convites aos vários e famosos monstros. No convite está escrito:

"Você está convidado para nossa convenção da qual fazem parte grandes celebridades, que vai realizar-se no dia 13."

Acontece que o Dr. Frankenstein vai aposentar-se e precisa urgentemente fazer a última reunião e comunicar a todos os monstros que seu sobrinho Felix vai ser o herdeiro de todas as suas descobertas, inclusive da última, que é a fórmula da destruição da matéria.
O castelo tradicionalmente é rodeado por um fosso contendo dezenas de crocodilos famintos e a praia da ilha onde ele se encontra é feita de areia movediça. Tudo está em harmonia, o cenário, os convidados, o jantar que oferece os melhores pratos, como a famosa sopa de polvo e outras iguarias bizarras.
A festa ainda é animada por uma banda de rock onde os integrantes são caveiras que tocam guitarra bem melhor que Jimi Hendrix (!) e o baterista é bem melhor que aquele do Iron Maiden (!!).
Ah, a melhor parte é sem dúvida nenhuma o famoso encontro do Dr. Jeckyll com o Dr. Frankenstein, doutores da mesma profissão, criar monstros... Temos ainda em cena uma frota completa de pilotos aéreos zumbis que no final vão atacar A Coisa, que na verdade é o King Kong, que aparece para destruir o castelo onde acontece o evento sinistro.
Considere que todo o cenário do filme é montado no gênero "horror cômico" e todos são bonecos, desde os morcegos, as plantas carnívoras, e os próprios monstros.
Temos ainda contracenando, um monstrinho esquisito que vive perdendo a cabeça no meio da festa e, é claro, sua cabeça acaba virando bola de boliche no meio da bagunça.
No final, todos os monstros querem a fórmula secreta do Dr. Frankenstein, então forma-se uma confusão onde somente com a chegada de King Kong as coisas começam a resolver-se.
Este filme, lembro-me perfeitamente que passou uma ou duas vezes na TV, e nunca mais foi exibido. Rolou na sessão da tarde da Globo por volta do ano de 1978, e desapareceu das telinhas. Mas como eu tive a oportunidade de vê-lo, jamias iria esquecer esta bela e rara obra de arte da animação do gênero horror, para o deleite dos seus incontáveis fãs.

N.E.: Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine "Juvenatrix" # 33 (Maio de 1999).

N.E.2: O filme "A Festa do Monstro Maluco" foi lançado em DVD pela Works Editora, através do Selo DarkSide, em dezembro de 2005.


Marcos T. R. Almeida


A FESTA DO MONSTRO MALUCO (Mad Monster Party, EUA, 1967, Embassy, cor, 94 minutos).
Direção: Jules Bass
Roteiro: Len Korobkin e Harvey Kurtzman, baseado em história de Arthur Rankin Jr
Produção: Arthur Rankin Jr.
Produção Executiva: Joseph E. Levine
Fotografia: Tadahito Mochinaga
Música: Maury Laws
Elenco (vozes): Boris Karloff (Barão Boris von Frankenstein); Allen Swift (Drácula/Dr.Jeckyl - Mr.Hyde/Homem Invisível/Felix/vozes adicionais); Gale Garnett (Francesca);
Phyllis Diller; Ethel Ennis







A DANÇA DOS VAMPIROS

Por Marcos T. R. Almeida

"Naquela noite, penetrando no centro do coração da Transilvania, o professor Ambronsius não desconfiava que estava aponto de chegar ao final de suas pesquisas misteriosas, motivo pelo qual havia viajado pela Europa central por muitos anos, acompanhado de seu único e fiel discípulo, Alfred. Um estudioso cientista cujo gênio não fora reconhecido, Ambronsius havia renunciado a tudo de corpo e alma, ao que para ele era considerado uma missão sagrada..."

N.E.: Para quem não assistiu o filme ainda e não quer saber sobre detalhes reveladores da história, aqui vai um alerta pois o texto pois contém "Spoilers".


Assim começa A Dança dos Vampiros, num cenário gélido envolto por muita neve em uma noite límpida de lua cheia. A carruagem trazendo o professor Ambronsius (Jack MacGowran) e seu discípulo Alfred (Roman Polanski) surge por um caminho sinistro perseguida por meia dúzia de lobos famintos que atacam a carruagem com ferocidade instintiva. Após conseguirem dispersar os lobos, os dois indivíduos chegam em uma estalagem na beira da estrada e são socorridos pelos aldeões do local. O professor Ambronsius está congelado... imediatamente socorrem-no e mais tarde dão a hospitalidade necessária aos dois viajantes. Uma curiosa observação é então feita pelos dois, eles encontram alho por toda parte... Desconfiam assim que existe algum vampiro na região.

Os acontecimentos vão interligando-se quando deparam com um horrível corcunda que vem à estalagem buscar mantimentos. Em seguida, o rapto de uma linda jovem por um vampiro (Ferdy Maine), que deixa marcas de sangue na tina de banho. Conhecida por Sarah, a jovem atriz nada mais é do que Sharon Tate, a esposa de Roman Polanski, que é o diretor do filme e também interpreta o personagem Alfred, o assistente do professor Ambronsius.

Começa a investigação... O pai de Sarah acaba virando um vampiro também ao sair noite adentro à procura de sua filha desaparecida e ainda por cima fica congelado no meio da neve. Ambronsius e Alfred partem para o castelo do vampiro, coberto de neve...

O cientista e seu companheiro penetram no castelo, mas logo dão de cara com o corcunda que os conduz ao Conde Von Krolock e como hóspedes especiais, os dois passam toda a noitada de inverno rigoroso conversando com o conde até que a tradicional e clássica cantada de galo corta a conversa de ambos. O conde então retira-se para seu repouso de morto-vivo em um caixão...

Antes disso, Alfred foi apresentado para o filho do conde, que parece ser meio afeminado e este parece ter gostado de Alfred para fazer-lhe companhia. No decorrer do tempo começam a investigar tudo que existe no castelo em busca da bela Sarah (atriz que na vida real foi assassinada em 1969 por uma seita satânica comandada por Charles Manson). No desfecho, os dois pesquisadores de vampiros acabam descobrindo que vai haver um baile na próxima noite, uma espécie de convenção de vampiros onde à meia-noite todos eles levantam-se de suas criptas no cemitério que faz fundo com o castelo.

O filho do conde toca cravo no salão de dança e então começam todos os vampiros a dançarem como nos tempos clássicos de séculos passados...

Ambronsius e Alfred traçam um plano para salvar a bela Sarah da qual o jovem Alfred está apaixonado, e no meio da dança dos vampiros os dois investigadores infiltram-se no meio da dança, mas não enganam por muito tempo... pois um enorme espelho denuncia-os no meio dos vampiros que não tem suas imagens refletidas no espelho. Então começa a caçada aos humanos que conseguem salvar Sarah das mãos dos sanguinários vampiros...

Ambronsius, Alfred e Sarah conseguem fugir em uma carruagem, mas são perseguidos pelo corcunda que esquiando dentro de um caixão tenta alcançá-los...

"Naquela noite, fugindo da Transilvânia, o professor Ambronsius não imaginava que estivesse levando com ele o mesmo demônio que ele desejava destruir. Graças a ele, este mal se espalharia por toda a Terra...!"

Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine "Juvenatrix" # 31 (Março de 1999).


Marcos T. R. Almeida







A DANÇA DOS VAMPIROS (Dance of the Vampires / The Fearless Vampire Killers or Pardon me, but your teeth are im my neck, ING/EUA, 1967, Metro Goldwyn Mayer - MGM / Cadre /Filmways, Metrocolor / Panavision, 107 minutos) Direção: Roman Polanski
Roteiro: Roman Polanski e Gerard Brach
Produção: Gene Gutowski
Música: Krzysztof Komeda
Fotografia: Douglas Slocombe
Desenho de Produção: Wilfrid Shingleton
Direção de Arte: Fred Carter
Maquiagem: Tom Smith
Edição: Alastair McIntyre
Elenco: Roman Polanski (Alfred), Jack MacGowran (Professor Abronsius), Sharon Tate (Sarah Shagal), Jessie Robins (Rebecca Shagal), Alfie Bass (Shagal), Fiona Lewis (Magda), Ferdy Maine (Conde von Krolock); Iain Quarrier (Herbert von Krolock); Ronald Lacey; Sydney Bromley; Andreas Malandrinos; Otto Diamant; Matthew Walters

LARANJA MECÂNICA

Por Marcos T. R. Almeida

"Loucura é achar que podemos viver num mundo sem violência" - Stanley Kubrick


Laranja Mecânica foi mais uma destas geniais obras literárias que acabaram definitivamente assegurando imortalidade nas telas do cinema, e foi o grande Anthony Burgess o escritor do homônimo livro que mais tarde ganhou forte popularidade ao ser projetado como filme pelo diretor de cinema Stanley Kubrick, que morreu no dia 7 de março de 1999. Mas sua morte como a morte de todo aquele que cria e trabalha com arte seja esta qual for, não canta a sua miserável vitória porque foi a arte quem foi a vencedora! E aqui se fez valer aquela frase do poeta Augusto dos Anjos, Oh! Morte, contra a arte, em vão teu ódio exercês!, ou aquela outra do sábio Leonardo da Vinci, Tudo morre no homem, menos na sua arte...

Stanley Kubrick morreu, mas seus trabalhos como diretor de cinema, sua visão criadora e dinâmica ultrapassou sua própria essência, e esta brilha cada vez mais e daqui para frente com maior intensidade rumo ao infinito.
E as novas gerações irão futuramente deparar-se com alguns de seus filmes e exclamar: "Genial! Magnífico! Impressionante de se ver!"

Laranja Mecânica é hoje muito mais que uma obra literária graças à Stanley Kubrick, mas Laranja Mecânica é também muito mais que um filme, é um cult graças aos punks e skinheads dos anos 70, que transformaram quase todas aquelas imagens de ultra violência em realidade...
O filme foi lançado em 1971, mas logo após seu lançamento, foi expressamente proibido devido não só às impressionantes cenas de ultra violência e estupro, mas também pela forte ideologia política que o mesmo continha, e nesta época era classificado como um "filme de forte influência para alguns jovens", e isto era muito perigoso... E realmente foi!

Imediatamente os primeiros grupos de jovens que conseguiram assistir ao filme passaram a espelhar-se naquelas cenas e transportá-las para a vida real, que em nenhum momento era menos real que o filme! Os subúrbios de Londres, repletos de skinheads e punks, tomaram o filme como culto sagrado. E aquela espécie de "moda" bootboy com elegância podia ser vista em muitos pontos onde eles encontravam-se. Os skinheads podiam então serem vistos trajando roupas brancas e botas pretas e o chapéu-coco, pondo em prática o "Horror Show" em alguns locais lembrando porém que neste caso se trata de uma ramificação do skinhead no estilo "droogs" do filme e não o movimento como um todo. Diria que algumas gangues skins eram mais familiares a este tipo de atitude que as outras, coisas dos anos 70...

Mas se o filme Laranja Mecânica foi proibido, como foi que aqueles jovens foram tão fortemente influenciados pela obra? Acontece que foram tiradas cópias piratas desta obra, ainda que de péssima qualidade e estas eram então muito bem apreciadas. Mas se analisarmos hoje este filme, veremos que aquelas atitudes daqueles "droogs" das cenas, são normais em comparação com as chacinas e os crimes que todos os dias banham o subúrbio com mar de sangue, e aqui trata-se de realidade do dia-a-dia de todos nós. É ver a vida...

A estrela principal do filme foi muito bem escolhida, e o talento para "papel de mal e perverso" foi dado ao ator Malcolm McDowell, aquele que nasceu para reencarnar das cinzas do grandioso império romano. O grande imperador Calígula das telas do cinema. Isto mesmo: Calígula! O mesmo ator! Porém, em Laranja Mecânica, Malcolm McDowell faz o papel de um líder "droog" de nome Alex The Large.
Seu visual "droog" consiste numa maquiagem no rosto, roupas brancas, blusa e calças, coturnos de cor preta, bengala estilete, chapéu côco, estilo Charles Chaplin. Alto e bem encorpado, ele é bom de briga e chegado em estuprar mulheres. Mas esta figura possui um lado nobre, vejam os senhores, ele gosta de música clássica! Em especial o grande Luduvig Van Beethoven, que aliás é a trilha sonora do filme inteiro. E sobre o ritmo de sinfonias clássicas rolam as principais cenas do filme. Os seus companheiros também possuem o mesmo visual agressivo e tem quase as mesmas atitudes, costumam beber copos de leite misturados com alguma coisa numa cantiva exótica, onde as mesas e cadeiras tem formato de mulheres nuas.

Não vou ficar descrevendo todas as excelentes cenas do filme ou contar o filme todo. Mas em poucas palavras, Alex mata uma mulher, vai preso, e lá na cadeia ele opta por um novo tratamento psicológico contra o impulso da violência em todas as suas faces. Ele é então levado a um sanatório especial onde é obrigado a ver vários filmes de ultra violência, sobre o efeito de uma droga que é nele injetada. Seus olhos ficam adaptados a um bizarro aparelho que os prende e os mantém abertos, mesmo contra a vontade. Então ele, após todos os exames, passa a se regenerar e sentir náuseas e vômitos seguidos de dor, toda vez que voltar a praticar ou sequer pensar em praticar atos de violência e estupro.

O filme é extenso, cerca de 138 minutos de duração, e é inútil descrever seus detalhes de modo que encheria linhas sobre linhas e não conseguiria atingir completamente os detalhes e a grandeza da obra, é necessário ver! Assistir o filme para perceber o universo estranho de beleza e emoção seguido de um "certo terror", sim porque não dá um "certo terror" ver uma cena de violência explícita?

O filme Laranja Mecânica é muito bem conceituado no mundo underground e a influência passou para a música, que espelhando na filosofia e no visual do filme, criou um ritmo excelente de se ouvir!

Surgiram bandas, a maioria de skinheads, com nomes como Blitz, The Oppressed, The Warriors, Last Resort, entre outras. Mas a mais popular, cultuada inclusive pelos punks, foi a banda The Adictis, que radicalmente se vestem como os "droogs" do filme.

Claramente podemos ver como a obra de Anthony Burgess criou mais vigor e poder através do prisma cinematográfico de Stanley Kubrick e daí passou para as ruas, encarnou nas gangues dos anos 70, influenciou bandas de punk rock e skinheads, etc...

Existe ainda o lado "político ideológico" do filme, mas prefiro falar do lado mais rueiro pois este está muito mais perto de nós que o outro.

Muito bem, vamos assistir Laranja Mecânica que a gente ganha muito mais vendo uma imagem de cinema do que só ouvindo falar nela...





COUNTESS ERZEBETH BATHORY


Por Renato Rosatti

"Da seiva do mal nasceu a perversão humana, tema o Homem a sua própria crueldade, mas tema muito mais ainda a Mulher, pois ela possui a crueldade perversa!" - Marcos T. R. Almeida


Entre as grandes atrocidades que mancharam de sangue para sempre a conturbada história da humanidade, sempre envolvida numa infinidade de eventos de violência e guerras bestiais, certamente está a terrível e perversa
Condessa Erzebeth Bathory, que viveu entre os anos de 1560 e 1614 na Hungria e que para manter sua pele jovial e bela, num esforço obcecado pelo rejuvenescimento, ela torturava e matava jovens mulheres nas masmorras de seu imponente castelo, recolhendo o sangue e utilizando-o em longos banhos com o objetivo de supostamente manter sua beleza inalterável. Após uma infinidade de vítimas sentirem em seus corpos a perversidade cruel da Condessa Bathory, seus crimes hediondos são descobertos e punidos por autoridades religiosas, e seu castigo é ser emparedada num pequeno aposento sem janelas em seu próprio castelo, sentindo os horrores da solidão e a deterioração gradual de sua beleza, até a chegada dolorosa da morte.
A Condessa Bathory é o tema de mais um filme independente gravado em VHS pela "Corvo Produções", de Marcos T. R. Almeida, que tem em seu currículo outros trabalhos como "Devaneios do Conde Lopo" e "Ritual do Delírio - Círculo
de Aratron". "Countess Erzebeth Bathory" tem um elenco liderado pela musa do cinema underground de horror Denise Vargas, no papel da terrível Condessa Bathory, além de Adriana F. de Almeida, Glaucia Salamandra, Talita Lilith, Débora Cegalla e Lucio Cipriano (como o hediondo assassino corcunda Thorko), entre outros. O filme tem 110 minutos e possui belas locações em cidades paulistas como Mauá e Santo André. No caso de Mauá, nas cenas interiores simulando os aposentos do castelo de Bathory, utilizando os cômodos da própria casa de Marcos T. R. Almeida, que possui ambientes reais que lembram os castelos europeus de séculos atrás (só que em escalas infinitamente menores), como a sala de leitura repleta de livros antigos, o dormitório e até uma espécie de masmorra, utilizada para prender e torturar as inocentes camponesas que forneceriam o sangue para os banhos rejuvenescedores da Condessa Bathory. No caso da cidade de Santo André, nas cenas externas gravadas na inspiradora vila de Paranapiacaba, com suas casas envolvidas por montanhas e neblina, simulando uma tenebrosa Hungria do final do século XVI.
O esforço de produção de Marcos T. R. Almeida e sua equipe foi imenso, tanto que todo o trabalho durou cerca de um ano inteiro (entre Setembro de 2003 e 2004), dividido entre as filmagens, pesquisa histórica para o roteiro, estudo das locações, criação dos figurinos e pós produção com edição e trilha sonora. Aliás, um destaque foi a escolha de músicas de poderosas bandas de Death Metal para ilustrar principalmente as cenas de violência, incluindo a participação de "Graveland" (Polônia), das alemãs "Nargaroth" e "Kreator" (esta com a música "Flag of Hate", do LP "Endless Pain", 1985), da lendária banda sueca "Bathory" (com "Equimanthorn", do LP "Under the Sign of the Black Mark", 1987), entre outras. Só faltou a igualmente histórica banda inglesa "Venom" com sua música "Countess Bathory", gravada em meados dos saudosos anos 80, totalmente inspirada nas atrocidades da condessa vampiro (para efeito de curiosidade e resgate histórico, a letra dessa música segue reproduzida ao final do artigo). Um outro destaque vai para a homenagem ao músico Tomas Quorthon Forsberg, criador e líder da banda de Death Metal "Bathory", que morreu em 07/06/2004, e que teve uma honrada citação nos créditos finais do filme.
Sobre a película especificamente, vale a pena registrar alguns comentários sobre pontos positivos e negativos que foram observados. Primeiramente, a duração poderia ser menor, algo em torno de 50 minutos (um pouco menos da metade), justamente por se tratar de uma produção amadora com características técnicas que não são adequadas para sustentar um filme de metragem maior. Várias cenas ficaram muito longas, cansativas e desnecessárias, além de parte dos diálogos serem um pouco difíceis de compreender por deficiências na sonoplastia (o ideal seria que todos os diálogos fossem altos e claros utilizando como referência por exemplo as falas do arcebispo Koytchack, interpretado pelo próprio diretor Marcos T. R. Almeida, cujas frases foram proferidas com determinação e clareza).
O roteiro também deixou um pouco a desejar nas explicações da história da Condessa Bathory, com poucos diálogos, dificultando um melhor entendimento para quem não conhecia os fatos reais e históricos da condessa vampiro. Por outro lado, para quem já tinha um conhecimento prévio das suas atrocidades perversas, o filme conseguiu transmitir perfeitamente sua proposta.
A maquiagem do corcunda Thorko (interpretado por Lucio Cipriano) estava excessivamente tosco não convencendo com aqueles dentes afiados falsos. Ele era um serviçal extremamente fiel da condessa e que sob suas ordens capturava as inocentes camponesas para serem brutalmente torturadas e sangradas até a morte. Por causa dessas suas características ele tinha que ter um visual grotesco mesmo, mas os dentes postiços não conseguiram expressar a maldade ideal em seu rosto.
A interpretação dos atores estava apenas razoável, num fato totalmente compreensível, já que são apenas um grupo de amigos que se reuniram para fazer um filme amador. O destaque certamente é Denise Vargas, que apesar de não conseguir plenamente transmitir uma sensação perturbadora da perversidade da Condessa Bathory, ela demonstrou uma incrível garra reservada apenas a poucas pessoas em todas as suas cenas, especialmente onde tinha que se banhar em sangue e nos momentos sensuais com outras mulheres.

As sequências de violência foram também um dos destaques, não faltando a cena de tortura com agulhas encravadas dolorosamente sob as unhas das mãos de uma pobre vítima condenada a experimentar o tormento de ter o sangue extraído para um banho rejuvenescedor da Condessa Bathory, que costumava utilizar como forma de atrair as camponesas para seu castelo o oferecimento de comida e bebida em abundância dentro do conforto de imensos aposentos, para depois prendê-las e torturá-las nas masmorras, com a prática de todo tipo de perversidade contra seus corpos terrivelmente machucados.
O desfecho com o destino final da Condessa vampiro, que já é de conhecimento histórico, foi muito bem filmado mostrando o tormento de Bathory ao ser trancafiada em seu próprio castelo, aguardando apenas a degradação de sua beleza com a chegada triunfante da morte, sofrendo literalmente na pele a vingança por seus atos perversos.
O filme é recomendável para todos aqueles que apreciam vídeos independentes, produzidos com idealismo por fãs verdadeiros do Horror como gênero artístico, e também para aqueles que desejam saber mais sobre a história real das orgias de sangue no castelo da Condessa Bathory, uma das mulheres mais cruéis que já existiram na humanidade.

"Os encantos do Horror só embriagam os fortes" - Charles Baudelaire, em "As Flores do Mal" (1817)


"Countess Erzebeth Bathory" (2004) - artigo # 287 - data: 21/12/04 - avaliação: 7 (de 0 a 10)



Renato Rosatti


Countess Erzebeth Bathory





(Mauá/SP/Brasil, 2004). Cor,



VHS, 110 minutos. Corvo Produções
Direção: Marcos T. R. Almeida
Assistência Geral e Iluminação: Fernanda Machado
Figurino: John Crazzy e Adriana F. de Almeida
Câmera: José Salles e Marcos T. R. Almeida
Ruídos de Sonoplastia: José Salles
Elenco: : Denise Vargas (Condessa Bathory), Adriana F. de Almeida (Strega Helga), Talita Lilith (Katalin Beneczky), Glaucia Salamandra (Berenice Esterrazy), Talita Lamia (Jannes Ujvani), Débora Cegalla (Llona Harczy), Mariana Pandora (Medora Szentes), Silvana Sil (Llena Joo), Roberto Raven (Conde Ferenc Nadasdy),
John Crazzy (Carrasco de capuz preto), Claudio Viana (Carrasco de capuz branco), Wendel Wothan (Carrasco de capuz vermelho), Valquiria Kika (Dorottya Sekonda), Lucio Cipriano (Corcunda Thorko), Marcos T. R. Almeida (Arcebispo Koytchack).

FOME DE VIVER

Marcos T. R. Almeida


A beleza é verdade, a verdade é beleza, isto é tudo quanto conheceis na Terra e tudo quanto necessitais conhecer. - John Keats


Quanta beleza e poesia pode estar por detrás de uma obra cinematográfica, ainda que de terror? Sim, um bom filme de terror nem sempre é aquele onde o diabo aparece pessoalmente. E irei mais longe ainda afirmando que os bons filmes de vampiros nem sempre são aqueles onde os caninos afiados são exibidos explicitamente, se bem que cada gênero e estilo possuem sua grandeza própria independente de crítica.
Um exemplo da minha afirmação é o filme Drácula, estrelando como ator principal Frank Langella. Lançado no ano de 1979, é uma adaptação do romance de Bram Stoker, muito bem feita, e em nenhum momento Drácula mostra seus afiados caninos, mas em compensação é um excelente filme de terror com todas as situações que culminam num monstruoso desfecho de amor, crime, sedução e morte, envolto em uma atmosfera de horror.
Drácula aqui se apresenta sem nenhum traço de crueldade, porém sua postura e suas palavras é que vão enchendo o filme de mistério, mas no fundo da alma ele é o vampiro demônio sedutor e cruel...
Fome de Viver (The Hunger, 1983) seria então outro filme de terror onde existe um vampirismo explícito, mas em nenhum momento aparecem presas aguçadas para dilacerar o pescoço de uma bela mulher, e nitidamente vê-se nas cenas, fortes impressões de marcas de sangue e tudo impregnado de um inconfundível universo gótico. Diria que é o cult de todos os góticos apreciadores do gênero terror-vampírico, um clássico de grande relevância.
Logo na primeira cena, na abertura do filme, a banda Bauhaus está tocando num salão gótico, a faixa por eles gravada em homenagem e memória ao ator Bela Lugosi. É exatamente a música Bela Lugosi is Dead. Em destaque está a exuberante beleza de Miriam (Catherine Deneuve), que é uma vampira vênus que contracena com John (David Bowie), o grande astro do rock and roll.
O casal habita um luxuoso apartamento ricamente decorado com peças de arte entre quadros, esculturas e cortinas, junto à um grande piano onde tocam-se obras de Sebastian Bach, Delibes e Schubert, e o filme todo se dá ao som das obras excepcionais destes célebres músicos, dando à cada cena um toque mais profundo de mistério, erotismo, terror e poesia.
John envelhece aceleradamente, pois ele foi contaminado pela bela Miriam, que sugou sua vida, em especial sua juventude. Ela, a cada nova vítima em que suga-lhe o sangue, rejuvenesce e fica mais bela, ao passo que a vítima tem morte instantânea ou envelhece gradualmente como é o caso de John.
A Dra. Sarah (Susan Sarandon), outra vênus em beleza, pesquisa em seu laboratório as causas da degeneração física do ser humano, e escreve um livro sobre a velhice prematura, as causas e os efeitos, e como combater esta degeneração. Ela faz estudos com macacos enjaulados.
John degenerou-se completamente, buscou auxílio com a dra. Sarah, mas ela mal o entendeu. Então John foi enclausurado num caixão no sótão do apartamento de Miriam, em estado extremo e avançado de velhice... e agora a bela Miriam, a vampira, procura por uma nova vítima... e ela já tem em vista sua nova companheira...
A Dra. Sarah faz uma visita ao apartamento de Miriam com o objetivo de avaliar a degeneração física de John. A vampira diz que John viajou para longe, despistando-a. Aqui seus olhares novamente se entrecruzam como se uma percebesse vivamente a extrema beleza e jovialidade da outra, e neste impulso proibido de desejo e luxúria, Miriam e Sarah, após uma conversa amena, deixam-se entregar-se sem resistência.
A cena mais forte e mais envolvente do filme acontece entre beijos e carícias envoltas numa atmosfera de prazeres indescritíveis entre duas lindas mulheres ardentes por novas emoções, que esvoaçam-se cortinados por entre a brisa perfumada de um almiscar selvagem, e embaladas ao som da ópera Lakme de Delibes, com o trecho Flower Duet dando o toque final na mais clássica cena de lesbianismo vampírico do cinema.
Miriam drenou parte de seu sangue para o corpo de Sarah e agora a doutora está contaminada, condenada à vida eterna e como uma vampira ela só irá sobreviver se beber sangue humano. Começa então o martírio de Sarah, que não entende a transformação que ocorre em seu organismo, o qual fica debilitado, mergulhado na depressão, com dores, angústias, febres, suores frios, medo... e por fim, uma estranha sede...
Percebemos nitidamente que o vampirismo foi usado como uma metáfora para dar enlace a uma atitude sexual de forte impacto às próprias paixões e aspirações humanas. A fome de viver aperta o indivíduo, que se vê impelido a buscar e dar continuidade de vida através do sangue, o símbolo perpétuo da vida eterna.
Na sequência do filme, Sarah desentende-se com Miriam mas acaba ficando enclausurada num quarto do elegante apartamento decorado com peças de arte grega e romana, alimentando-se de sangue...
No final da fita, o horror e o sobrenatural são invocados numa sinistra cena onde espectros, caveiras, corpos em decomposição, vampiros, todas aquelas vítimas que haviam sido enclausuradas em caixões no sótão do apartamento por Miriam, levantam-se! Rebelam-se! Contra a vampira mestra que ali os condenou a ficar para sempre.
John surge novamente, mas completamente decrépto, para sua fatídica vingança. Ouvem-se gritos desesperados, ventanias esvoaçam as longas cortinas e tudo envolve-se num profundo clima de terror. Como num pesadelo infernal as criaturas querem vingar-se de Miriam... Ela reluta com todos os seres...
De repente, Miriam precipita-se do alto do sótão e cai a pique estourando todos os ossos de seu corpo. Os espectros também começam a decompor-se como que formados por cinza e poeira da morte!
Miriam, a bela "vampira vênus" como eu a havia chamado no começo desse texto, vai virando uma velha decrépta e seus louros cabelos vão esbranquecendo lentamente, desfigurando-se seu belo rosto, e transformando-se numa horrenda caveira que tem o aspecto roxo da própria morte...
Depois desta impressionante cena de terror, sobre o efeito especial da câmera, o filme vai acabando embalado na sonata para violino e piano de Franz Schubert, voltando novamente à beleza e poesia que foram o pano de fundo de todo o filme.
Agora, Sarah começará tudo outra vez... para sempre, como herdeira da maldição de Miriam, a mais bela mulher vampiro que o cinema já produziu...



FOME DE VIVER (The Hunger, Inglaterra, 1983). MGM, 100 minutos
Direção: Tony Scott
Roteiro: James Costigan, Ivan Davis
Elenco: Catherine Deneuve (Miriam Blaylock); David Bowie (John Blaylock); Susan Sarandon (Sarah Roberts); Cliff De Young (Tom Haver); Beth Ehlers (Alice Cavender); Dan Hedaya (Lieutenant Allegrezza); Rufus Collins (Charlie Humphries); Suzanne Bertish (Phyllis)


Sinopse: Quem poderia apostar na química entre duas criaturas tão diferentes quando Catherine Deneuve e David Bowie? Ela, a beleza gélida mais perfeita que o cinema conhece. Ele, um roqueiro amalucado. Por incrível que pareça, a combinação foi um sucesso, e ajudou Fome de Viver (The Hunger, EUA, 1983) a se tornar um cult do horror. Nos papéis de Miriam e John Blaylock, dois vampiros amantes muito chiques em Manhattan, eles criaram um clima de pavor sem palavras. Neste filme, a estréia de Tony Scott como diretor, os diálogos são curtos e simples, dizem muito menos do que querem dizer, e fazem a espinha gelar apenas com gestos, cores e olhares.